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quarta-feira, 7 de abril de 2021

A liberdade em pequenos atos. Viva!

 Relatei aqui o meu hábito matinal de fazer café e a liturgia que sigo, mas há mais no dia a dia e o pós café, ou pós refeições tem um efeito especial. Logo após as refeições me responsabilizei por lavar os talheres de casa. Sou bom nisso, mas não sou bom em arrumar posteriormente, e o arrumar fica para minha querida. De qualquer forma, venho observando o ato em si, a profundidade dele e o quanto ele me enche de sensações.

Bem e o que o lavar de talheres, pratos, copos etc. tem a ver?

Tem tudo pessoal. 

Vejam no relato:

Termina a refeição, todos se levantam da mesa, é uma sistemática familiar, e eis que pego pratos, colheres etc. e levo a pia. Ela estrategicamente localizada. Na minha frente uma janela que dá para uma mangueira onde vive uma família de gaviões que me fazem companhia no lavar.

Retorno a mesa, passo o pano para retirar os excessos e retorno ao posto de trabalho. A pia é mágica. Aquele monte de coisas, tudo caótico, pratos embaixo, colheres ao fundo, do lado, copos na cuba ou fora dela. Enfim, preciso iniciar organizando: colheres para direita, pratos e artefatos maiores no fundo da cuba, panelas de fora ainda, copos do lado dos talheres, pano de prato no ombro, esponja a mão e detergente ou sabão ao fundo. Olho para janela, respiro fundo, terei bastante trabalho dessa vez.
Respiro novamente, olho pela janela, vejo a mangueira balançar e uma manga amarelinha cair, apenas um momento de distração. Ligo a torneira e, ainda olhando o horizonte, molho a esponja, aperto-a para tirar o excesso e passo colher a colher após cessar o fluxo de água, transportando cada uma de um lado para o outro da pia. Sigo com copos, pires e xícaras, artefatos menores, sempre ensaboando e colocando do outro lado, ensaboando e colocando do outro lado. Terminam os artefatos e todos de um lado, a cuba cheia ainda. Inicio o fluxo contínuo da torneira, mas para ir passando de um lado para outro com os elementos ensaboados, retirando o sabão e os colocando no escorredor, um após um. Passo um feito, elementos pequenos limpos e escorrendo! 

Inicio o passo dois.

Agora é a vez dos pratos. Sinto o vento bater da janela a minha frente e tenho mais um momento de distração olhando o horizonte dois segundos de um milhão de minutos de uma vida que enchem o pulmão, fazem sorrir e até mesmo relembrar pessoas, momentos vividos e ensejar por outros por viver. Retomo a labuta. Os pratos exigem um pouco mais esforço. Movimentos giratórios, mas seguindo o fluxo de um lado para outro da pia, passando no meio intermediário pelo "ensaboamento" e retorna, na retirada do sabão no passar embaixo da torneira, com o meu aproveitar, ainda como um menino descobrindo a magia do fluir da água e do barulho relaxante daquele som natural, do momento de meditação. Mais alguns segundos de vida que parecem uma vida para quem sente isso. Pratos ao escorregador. Passo dois finalizado!


Passo três é o mais duro, limpar panelas, frigideiras etc. não tem magia, mas o ritual é o mesmo, de um lado para o outro, depois de volta e ida para o escorredor. As diferenças decorrem do esforço executado na limpeza, mas mais profundamente no entender que aquilo significa que comi, que tive forças para realizar uma atividade e preparar o início da próxima refeição. Os meninos irão para a escola alimentados e eu estou livre até a próxima refeição, não livre de afazeres domésticos, mas livre de culpa, cheio de sentimentos.

Finalizo olhando a janela a minha frente. Vejo um dos gaviões e ele, também livre, procura pelo alimento, logo, logo nos encontraremos novamente, ele caçando, eu lavando ou cozinhando.

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